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terça-feira, 30 de agosto de 2011

A tarefa crítica da Ciência da Religião

A Vital Cruvinel *

O texto que nos serviu de ‘pretexto’ na postagem anterior ainda tem mais a nos ensinar. Nele, Hans-Jürgen Greschat não apenas nos ajuda a traçar o perfil do cientista da religião, a partir da comparação deste campo acadêmico e disciplinar com a teologia e sua prática, mas nos dá ensejo para desenvolvermos uma reflexão sobre a tarefa crítica da Ciência da Religião. E isso de duas maneiras, como podemos constatar no trecho abaixo:

Não é oportuno para os cientistas da religião avaliar outra fé com base na própria. Eles têm a liberdade de pesquisar uma crença alheia sem preconceitos. A questão é apenas saber o quanto dessa liberdade eles suportam. É mais fácil descobrir algo quando se sabe com antecedência o que procurar; por conta disso, há cientistas da religião que têm por costume apropriar-se de critérios já estabelecidos para classificar elementos ou universos como “animismo”, “magia” ou “politeísmo”. Isso significa que não apenas preconceitos religiosos, mas também atitudes intelectuais podem distorcer a compreensão de fenômenos pesquisados no âmbito da Ciência da Religião. (GRESCHAT. 2005, 156-157).

O autor considera aqui que um cientista da religião – diferentemente do teólogo – não investiga um fenômeno religioso com base em sua fé pessoal e gozaria, portanto, da possibilidade de estudar seu objeto de uma maneira isenta de preconceitos. No entanto, ainda segundo o autor, não apenas os preconceitos oriundos de uma perspectiva de fé podem interferir na pesquisa. Há ainda preconceitos tipológicos e teóricos que podem distorcer o fenômeno estudado. Sendo assim, haveria não apenas um, mas dois tipos de ‘preconceitos’ a serem evitados pelos cientistas da religião: o preconceito advindo da fé professada pelo pesquisador e o preconceito nascido da apropriação de ‘critérios já estabelecidos para classificar elementos ou universos’ relativos à religião.

Com relação ao primeiro caso já manifestei minha opinião de que a melhor estratégia para o cientista da religião seja adotar uma postura de ‘agnosticismo metodológico’. Assim, ele ou ela terá a oportunidade de – mesmo professando algum credo religioso distinto daquele que estuda, ou ao estudar sua própria religião de uma perspectiva não-teológica –  ganhar um distanciamento mínimo frente ao objeto estudado. A meu ver, essa é uma alternativa viável quando o ‘agnosticismo de fato’ não seja possível.

No segundo caso, o autor se refere aos preconceitos que podem advir de propostas teóricas ou tipológicas retiradas dos autores clássicos de seu campo acadêmico. Embora seja impensável a formação de um cientista da religião sem que ele conheça e tenha familiaridade com esses elementos fundantes da Ciência da Religião, o autor parece considerar igualmente impensável que um pesquisador resolva tomar o caminho mais fácil ao reduzir seu objeto a esses elementos classificatórios prévios.

Gostaria de dar um exemplo: uma das tipologias mais simples na tentativa de classificação universal das religiões é aquela representada pela oposição ‘politeísmo’ x ‘monoteísmo’. Cotidianamente falamos do Judaísmo, do Cristianismo e do Islamismo como ‘religiões monoteístas’, e em contraposição ao ‘politeísmo’ greco-romano ou aquele das religiões indianas, por exemplo. Essa é uma distinção consagrada e que poderia facilmente ser aplicada, sem maiores questionamentos, ao um estudo das religiões afro-brasileiras, não é? A pesquisadora Rita Laura Segato, autora do livro “Santos e Daimones. O politeísmo afro-brasileiro e a tradição arquetipal” (Editora UNB, 2005) parece discordar. Logo na Introdução de seu trabalho, a autora afirma:

Uma das dificuldades que amiúde se apresenta e que parece resumir todos os reducio-nismos que obstaculizam a compreensão do mundo afro-brasileiro pela sociedade envolvente ocorre em torno da tensão monoteísmo-politeísmo – que constitui, de fato, um dos eixos centrais da minha argumentação no livro – , ou sua transposição em termos de contraste entre Ocidente e africanidade. Acontece que agentes simpáticos aos cultos mas não profundamente consubstanciados com a mentalidade tradicional dos seus membros tendem, de acordo com suas lealdades ideológicas de partida, seja a percebê-los como em última instância monoteístas (um exemplo são os já mencionados padres católicos que propõem uma liturgia de inspiração africana), ou a afirmá-las exclusivamente politeístas (como alguns pais e mães-de-santo de origem letrada e comprometidos com as bandeiras da negritude). Contudo, ambas as alternativas, pensadas de forma excludente, são na verdade espúrias à maneira de pensar dos membros tradicionais, que são ao mesmo tempo, mas em horas diferentes, devotos católicos e fervorosos adeptos da religião dos “orixás”. O que introduz nossa dificuldade em acompanhá-los e representá-los adequadamente é que, justamente por seu politeísmo de base, as questões ocidentais da coerência e da consciência não se constituem necessariamente em problemas para eles. (SEGATO. 2005, p. 17)

O texto acima, como vemos, ilustra bem a problemática em torno de uma tipologia classificatória amplamente aceita que – segundo moldes tradicionais – contrapõe de maneira irreconciliável monoteísmo e politeísmo. No entanto, a lógica interna ao fenômeno estudado pela pesquisadora – o culto Nagô ortodoxo do Recife, conhecido também como Xangô – é muito mais densa e complexa que as categorias tipológicas poderiam indicar. Caso a autora ficasse presa a essas representações dicotômicas, essa riqueza e complexidade permaneceriam intocadas e o fenômeno da dupla pertença (católico-candomblecista) presente na prática cotidiana do adepto tradicional, permaneceria incompreensível.

O cientista da religião italiano Carlo Prandi, ao tratar dos problemas de definição e de classificação das religiões (cf.: FILORAMO; PRANDI. 1999, p.253-284),  desenvolve reflexão semelhante:

Uma tipologia que se proponha ordenar a grande quantidade de religiões existentes no mundo, passadas e atuais, assume necessariamente um caráter de relativa arbitrariedade, que depende, em parte, dos traços que se pretende sublinhar em cada sistema religioso. Às vezes procede-se recorrendo a critérios bipolares – do tipo: politeísmo/monoteísmo – para melhor ressaltar contraposições que refletem conflitos ou duras passagens históricas de uma fase da hegemonia religiosa para outra (p.ex., politeísmo-paganismo para monoteísmo-cristianismo). Em todo caso, a exigência de rotular as religiões carrega também o risco de construir um mapa abstrato de etiquetas, em si mesmo insuficiente para expressar a complexidade e a polivalência dos objetos assim definidos. (Idem, p.275).

Assim, embora, alguns critérios de orientação pareçam necessários para o desenvolvimento de uma pesquisa, é preciso que o cientista da religião tenha a consciência de que “[…] qualquer tipologia, pelo seu esquematismo, leva a um relativo empobrecimento do objeto examinado […]” (Idem, ibidem).

Contudo, não apenas os critérios taxionômicos interferem e podem distorcer a compreensão dos fenômenos religiosos a serem pesquisados. Atitudes teóricas assumidas a priori também se constituem fatores influentes nessa distorção. Assim, por exemplo, ao assumir como pressuposto teórico a definição marxiana de religião como “ópio”, ou a redução fenomenológica da religião ao conceito de sagrado, uma pesquisa será direcionada não pela observação do objeto, mas por esses pressupostos. E tal pesquisa, dificilmente, poderá ser considerada científica se simplesmente tentar ‘confirmar’ ou ‘legitimar’ essas concepções clássicas, ao invés de tentar falseá-las, desenvolvendo uma atitude crítica perante as mesmas.

Creio ser a situações como essas que Greschat se refere quando afirma: “Isso significa que não apenas preconceitos religiosos, mas também atitudes intelectuais podem distorcer a compreensão de fenômenos pesquisados no âmbito da Ciência da Religião” (GRESCHAT, 2005, 156-157). Creio, igualmente, que com isso fica delimitada, ainda que sumariamente, a tarefa crítica da Ciência da Religião frente a seu objeto e a si mesma.

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* Esta postagem, embora já estivesse prevista, recebeu um maior incentivo pelo questionamento levantado por Vital Cruvinel na seção ‘Comentários’ do texto anterior. Por isso a dedicatória.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O que é isto, a Ciência da Religião?

Certa vez a irmã de uma grande amiga, ao saber que tenho me dedicado ao estudo dos fenômenos religiosos, me perguntou à ‘queima roupa’: - “Então, Augusto, deus existe?”. Sua pressuposição era que, sendo doutorando em Ciência da Religião, eu deveria constantemente me debruçar sobre esta questão e ter, ao menos provisoriamente, uma resposta “erudita” sobre o tema. Ou, quem sabe, ela só queria começar amigavelmente uma conversa tocando num assunto que todo mundo sabe que me instiga.

Bem, o fato é que esta não foi a primeira vez, e possivelmente não será também a última, que me fazem este tipo de questão. Acredito que vários colegas do campo disciplinar da Ciência da Religião passam por experiências semelhantes não muito raramente. As pessoas às vezes pensam que faço algo ligado diretamente à Teologia. Que serei padre, pastor, capelão de alguma coisa… ou, simplesmente, que por estudar o Espiritismo eu seja algo como um ‘teólogo espírita’.

A meu ver, nada mais natural. Conforme alerta o cientista da religião Hans-Jürgen Greschat:
O uso da palavra “religião” é corriqueiro, mas parece que somente os especialistas conhecem o termo “Ciência da Religião”. Os demais articulam a vaga sensação de que se trata de “teologia ou algo semelhante”. (GRESCHAT, 2005 p. 17) *.
Essa incompreensão esteve presente inclusive quando, em 2009, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), através da Consulta Pública dos Referenciais Nacionais dos Cursos de Graduação, propôs que os cursos de graduação e pós-graduação em ‘Ciência da Religião’ (e suas variações tais como Ciências da Religião; Ciências das Religiões e Ciência das Religiões), fossem todos subsumidos sob o nome genérico ‘Teologia’. Isso mostra que a desinformação acerca dessa área acadêmica, ainda incipiente no Brasil, mas com larga tradição na Europa e na América do Norte, não se restringe apenas às pessoas que não vivem fora do ambiente acadêmico e universitário, mas se estende até mesmo aos órgãos governamentais de educação. Sob a alegação de promover o que chamou de uma ‘convergência de denominação’, o MEC ignorou as peculiaridade epistemológicas tanto da Teologia quanto da Ciência da Religião.

Bem, a pergunta relatada no princípio desta postagem serve como pretexto para pensarmos como a Ciência da Religião dista da Teologia. O cientista da religião não precisa pressupor a existência de deus (ou de deuses), nem a sua não-existência, para executar bem seu trabalho. Ele não precisa nem mesmo ser religioso para tanto. Em minha opinião é até melhor que não o seja, a fim de evitar que seu trabalho, sua pesquisa, se torne apenas um trabalho de apologia de sua crença pessoal. Ao contrário, embora muitas vezes a Teologia já não se debruce mais sobre a questão da existência de deus, ela pressupõe não só uma resposta afirmativa a esta questão, mas a possibilidade de que este deus se comunique e transmita sua vontade ao mundo.
 

Mas, o que distingue

os cientistas da religião dos teólogos?

 

Segundo Greschat: “Os teólogos são especialistas religiosos. Os cientistas da religião são especialistas em religião”. E,  essa diferença diz respeito a 4 (quatro) pontos essenciais, os quais cito abaixo, textualmente:
1) Enquanto os teólogos investigam a religião à qual pertencem, os cientistas da religião geralmente se ocupam de outra que não a sua própria. A tarefa do teólogo é proteger e enriquecer sua tradição religiosa. É sua religião que está no centro do seu interesse. A sede de saber teológico diminui à medida que se afasta desse centro. […].
Os cientistas da religião não prestam um serviço institucional como os teólogos. Não são comandados por nenhum bispo, nem obrigados a dar satisfação a nenhuma instância superior. São autônomos quanto ao seu trabalho. […] Todavia, os cientistas da religião também têm seus focos temáticos – portanto, quanto mais um assunto deles se afasta, menos acentuado é seu interesse acadêmico. […]
2) Os cientistas da religião optam pela pesquisa de uma determinada religião. Pode ser qualquer uma – potencialmente a escolha é ilimitada em termos históricos, geográficos ou tipológicos. Há apenas um critério que reduz o espectro dos seus possíveis objetos de estudo: a própria incompetência. Quem não compreende a língua dos adeptos de uma religião, não suporta o clima da região onde ela se encontra ou pensa que a fé em questão não tem valor deveria optar pela pesquisa de um outro objeto. Os teólogos não têm essa liberdade, uma vez que apenas se ocupam de uma religião alheia quando existe a necessidade de comparação com a sua própria. Todavia, quando isso acontece, são obrigados a estudá-la. […]
3) Quando os teólogos estudam uma religião alheia, partem da própria fé. Ao investigarem como os outros concebem seu deus, crença ou pecado, tomam a própria religião como referência. De acordo com seus critérios, avaliam os demais sistemas como “mais próximos” ou “mais distantes” de sua própria religião, ou, até mesmo, enquadram-nos em julgamentos que determinam categorias do tipo “o objeto traz algumas características religiosas” ou “apenas magia”. Todavia, se algo é natural e indubitavelmente visto como semelhante, criam facilmente pontes entre a própria religião e a outra. Procedimentos desse tipo geralmente não possibilitam um encontro com o outro, ou seja, não chegam a um verdadeiro conhecimento de outra fé. Em outras palavras: são estritos demais para aprofundar a relação com o objeto de estudo.
Não é oportuno para os cientistas da religião avaliar outra fé com base na própria. Eles têm a liberdade de pesquisar uma crença alheia sem preconceitos. A questão é apenas saber o quanto dessa liberdade eles suportam. É mais fácil descobrir algo quando se sabe com antecedência o que procurar; por conta disso, há cientistas da religião que têm por costume apropriar-se de critérios já estabelecidos para classificar elementos ou universos como “animismo”, “magia” ou “politeísmo”. Isso significa que não apenas preconceitos religiosos, mas também atitudes intelectuais podem distorcer a compreensão de fenômenos pesquisados no âmbito da Ciência da Religião.
4) Os fiéis de uma determinada crença é que vão informar se entendemos adequadamente uma fé alheia. Consultar adeptos de uma religião pesquisada é um teste de segurança que permite diferenciar descrições válidas e não válidas do ponto de vista da história da religião. Os teólogos têm meios próprios para distinguir o que é “verdadeiro” e o que é “falso” na área da religião. Para eles, a própria fé – e não a de outras pessoas – é a norma decisiva, uma vez que apenas ela é considerada verdadeira em oposição às outras, que são avaliadas como falhas. (GRESCHAT, 2005. p. 155-157. Excertos.)
A citação é longa, mas esclarecedora. Gostaria, contudo, de acrescentar algumas observações a fim de que não fique a impressão de que eu a subscreva em sua integridade.
 
Obviamente concordo com a distinção primária que Greschat faz entre os teólogos e os cientistas da religião, e que é a raiz de todo o trecho reproduzido aqui: “Os teólogos são especialistas religiosos. Os cientistas da religião são especialistas em religião”. No entanto, a afirmação: “Enquanto os teólogos investigam a religião à qual pertencem, os cientistas da religião geralmente se ocupam de outra que não a sua própria”, se for lida apressadamente pode nos fazer acreditar que somente alguém religioso [alguém que tenha sua própria fé religiosa]poderia se ocupar em Ciência da Religião. Claro que isto não é necessariamente assim. De fato, acredito e defendo ser melhor que o cientista da religião não seja uma pessoa de convicções religiosas. Evidentemente este não é um requisito absoluto. Pessoalmente tenho visto muitas pesquisas de colegas que, pertencendo a determinado credo religioso, mantêm sua integridade como pesquisadores não transformando seu labor em apologia de sua religião – mesmo quando a têm por objeto de estudo - ou crítica teologicamente motivada a qualquer outra religião diferente da sua. De qualquer forma, para que essa integridade seja mantida, é necessário, a meu ver, que o cientista da religião [seja ele religioso ou não] se coloque numa posição de ‘agnosticismo metodológico’.
 
Neste sentido, outro elemento, a meu ver, passível de crítica é a afirmação: “Os fiéis de uma determinada crença é que vão informar se entendemos adequadamente uma fé alheia. Consultar adeptos de uma religião pesquisada é um teste de segurança que permite diferenciar descrições válidas e não válidas do ponto de vista da história da religião”. Embora eu compreenda que consultar os adeptos da religião que se estuda seja um “teste de segurança” válido e necessário para o cientista da religião, não consigo conceber essa prática como um critério absoluto para “diferenciar descrições válidas e não válidas” do ponto de vista da história daquele credo específico. Sabe-se, por exemplo, que as narrativas religiosas tendem a mitificar seu passado histórico, concedendo-lhe, muitas vezes, um estatuto ontológico diferenciado da ‘história secular’. Acontecimentos e personagens podem ser, ao longo do tempo, reinterpretados à luz de seu significado religioso, sem um compromisso estrito com sua verdade histórica ou biográfica. Sendo assim, creio ser necessário ao cientista da religião distanciar-se criticamente de seu objeto, sem se comprometer a priori com qualquer posicionamento ideológico, seja ele religioso ou teórico. O que, claro, não implica em que o estudioso se torne surdo aos relatos e à crítica dos adeptos da religião que tem por objeto de pesquisa.

Ufa! Acho que esse é um bom começo de conversa. O que acham?
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* Para as Referências Bibliográficas completas, por favor, verifique o link Bibliografia no Menu Principal do Blog.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Por que ‘Scientia Religionis’?


Quando nomeei meu antigo blog ‘Mansões Filosofais’ o fiz motivado pelo livro “As Mansões Filosofais” do alquimista francês, Fulcanelli (1839-1923). A grande verdade, contudo, é que nunca li a referida obra por não ter qualquer interesse em alquimia. No entanto, o título despertou em mim aquilo que considero uma prerrogativa da Filosofia: a possibilidade de vários saberes, várias moradas, vários caminhos para o pensar. Foi uma interpretação – e consequente apropriação – livre do título da obra. Nunca quis que o blog  fizesse referência, ou guardasse ar de parentesco,  ao livro.

Como disse, na postagem anterior, o ‘Mansões’ foi criado durante meu período de mestrado em Ciência da Religião (PPCIR/UFJF). Eu acabara de sair da graduação em Filosofia (UFSJ), impregnado pela leitura de Heidegger, e desejoso de conciliar o estudo sistemático de textos-fonte das religiões com os estudos do filósofo da Floresta Negra. De maneira especial cria, àquela época, que no conceito de verdade, tal como trabalhado na obra heideggeriana, haveria de encontrar-se uma saída legítima para um fundo comum onde as religiões pudessem se encontrar e dialogar.

De fato, toda religião se propõe como portadora de Verdade. E não apenas isso, mas, toda religião se propõe como a ‘única’ portadora da Verdade. Se eu pudesse, em minha pesquisa, iluminar o tema da verdade como algo comum a toda e qualquer religião; se eu pudesse estabelecer que, de fato, a verdade religiosa não é tanto um conjunto de conteúdos nos quais se crê, mas a estrutura da experiência originária que cada religião tem com o Sagrado; se eu pudesse fazer isso, talvez pudéssemos ter abertura e diálogo.

Assim era meu projeto de pesquisa quando, em 2001, fiz a seleção para o Mestrado em Ciência da Religião. Eu queria, através da leitura e interpretação de um texto-fonte das religiões indianas – o Bhagavad-Gita – trazer à tona a problemática da experiência com o Sagrado, numa perspectiva heideggeriana da verdade.

Por fim, ao executar minha pesquisa de mestrado, foi preciso redefinir objetivos devido à limitação de tempo. Uma pesquisa como essa não caberia no curto espaço de 24 meses [tempo de integralização do Mestrado]. O resultado foi a dissertação Da Essência do Sagrado: um estudo a partir da compreensão de Verdade e Linguagem no pensamento de Martin Heidegger. Aqueles que se aventurarem a ler este estudo perceberão ecos daquele plano original. Contudo, perceberão também uma abordagem imatura e, até mesmo, ingênua do campo disciplinar da Ciência da Religião.

A decisão em estudar a obra do fundador do espiritismo, Allan Kardec (1804-1869), representa retomada do plano original de ler e interpretar os textos-fonte das religiões. Contudo, agora em uma abordagem mais ampla que aquela do plano original. Não mais a leitura e interpretação dos textos-fonte a partir do conceito de verdade em Heidegger, porém a partir do referencial teórico da hermenêutica filosófica. E, não apenas isso, mas buscando subsídios também nas Ciências Sociais e na Historiografia das Religiões. Alguns exemplos dessa nova perspectiva podem ser acessados e lidos através do link Produção Acadêmica. Espero que apreciem os textos e enviem suas críticas e contribuições.

De certa maneira essa mudança de foco e ampliação dos referenciais teóricos trouxeram-me uma melhor definição de meu perfil como pesquisador. E, nesse contexto, surge o ‘Scientia Religionis’ como o espaço para os ensaios de expressão dessa nova realidade em contínua formação. O título deste blog, portanto, vem oferecer o norte para esse processo: não apenas pensar nos limites da pesquisa em desenvolvimento; mas, pensar-se e criar identidade como cientista da religião através da reflexão meta-teórica e metodológica do campo disciplinar da Ciência da Religião.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Um novo blog, um novo começo

Se bem me lembro, entrei para a blogosfera no ano de 2002 com a primeira versão do Mansões Filosofais. Era meu tempo de mestrado e eu estava envolvido com a busca de melhor compreender o conceito de Sagrado a partir da obra de Martin Heidegger (1889-1976), especialmente através dos conceitos de ‘verdade’ e linguagem’.

Em 2005, alguns meses após a defesa da dissertação do mestrado, lancei-me de corpo e alma numa experiência que culminaria na modificação de meus interesses em Ciência da Religião. Saí das ‘Minhas’ Gerais, mudei-me para o Nordeste do Brasil, e encontrei na Paraíba um lugar para viver, amar e sentir saudade da ‘terra natal’. Nesse período de reestruturação da vida, o blog foi desativado e seus arquivos perdidos.

A 30 de Agosto de 2006 eu retomei o ofício de blogueiro com a publicação de uma nova versão do Mansões Filosofais. Como os amigos e amigas que me acompanham desde essa época sabem – e os que passaram a acompanhá-lo mais recentemente devem ter percebido – o ‘Mansões’ nunca teve uma temática bem definida, se configurando apenas como um espaço de publicação de coisas que me interessavam das mais variadas maneiras. Nos últimos tempos tem, inclusive, se parecido mais com um armário de guardados do que um blog propriamente dito. As publicações autorais diminuíram significativamente e se perderam em meio aos posts de divulgação de livros, artigos, vídeos, etc.

Diante disso tenho sentido a urgência de um começo realmente novo, um blog mais direcionado a meus interesses acadêmicos, com um perfil mais bem definido. Dessa necessidade nasce, agora, o ‘Scientia Religionis’.

Seu objetivo declarado é ser um espaço de reflexão em torno da Ciência da Religião, seus temas e constituintes teóricos e metodológicos. No entanto, preserva esse blog o caráter pessoal que motivava o ‘Mansões’ sem, contudo, perder-se no labirinto de temáticas em que este último se perdeu. Aqui, serão preferencialmente publicados textos autorais (artigos, comentários, resenhas, etc.). E se, alguma vez, eu lançar mão de citações mais ou menos extensas de outros autores será apenas porque tais textos exprimem, de forma extraordinária e completa, meu pensamento sobre o mesmo tema. Nesses casos, sei que vocês compreenderão perfeitamente minha rendição ao pensamento alheio.

A partir de agora o ‘Mansões’ será, aos poucos, extinto. Grande parte dos artigos nele publicados será simplesmente descartada. Principalmente aqueles posts nos quais predominam meu instinto de colecionador acima referido. Contudo, muitos artigos serão reaproveitados aqui. Alguns serão reescritos, outros completamente modificados ou ampliados. Assim, de certa forma, o ‘Mansões Filosofais’ sobreviverá. Agora, no entanto, mais maduro e bem direcionado.

Dito isto, só me resta dar as boas-vindas aos velhos e novos amigos que aqui aportarem. Continuarei contando com os comentários, as críticas e a paciência de todos vocês.

Um grande abraço:
Augusto Araujo