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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Identidade e Fronteiras do Espiritismo na obra de Allan Kardec

 

Este artigo é uma reflexão sobre o processo de formação identitária do espiritismo a partir da análise de seu discurso fundador presente na obra de Allan Kardec (1804-1869). Para cumprir este objetivo, trabalhar-se-á com a hipótese de que tal processo acontece a partir de uma peculiar interação do espiritismo com três instâncias de conhecimento: a ciência, a filosofia e a religião. Através da análise do exemplo específico de como o espiritismo interpreta elementos da tradição cristã-católica, dando-lhes um significado renovado, pretende-se demonstrar que neste jogo, o conceito de espiritismo se configura como um conceito híbrido, de caráter polissêmico, o qual aponta para o fato de que a nova doutrina e o movimento articulado em seu entorno nascem sob o signo da mediação. Tais reflexões indicariam que, ao fazerem referência à obra de Kardec como núcleo imaginário de identificação doutrinária, grupos das diversas tendências dentro do espiritismo contemporâneo podem encontrar relativas zonas de conforto para seu progressivo desenvolvimento.

Palavras-chave: Espiritismo; Ciência; Filosofia; Religião; Fronteiras.

Leia o artigo completo na página da Revista Horizonte. Clique aqui.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Allan Kardec: Autor ou Codificador?

 

Allan_Kardec

 

No texto ‘Allan Kardec: autor da doutrina dos espíritos?’, originalmente publicado no Jornal Opinião (Ano XVI, Nº 176, Julho 2010), defendo a tese de que Kardec é o intérprete de fontes de informação diversas, muitas vezes fragmentárias, que se fossem simplesmente colocadas lado a lado, não formariam um todo coerente. Não se questiona se tais fontes seriam, como ele alega, fontes espirituais. Mas, com base na seguinte afirmação do próprio Kardec: “C'est de la comparaison et de la fusion de toutes ces réponses coordonnées, classées et maintes fois remaniées dans le silence de la méditation, que je formai la première édition du Livre des Esprits qui parut le 18 avril 1857” [1]; e por mim traduzida: “Da comparação e da fusão de todas estas respostas coordenadas, classificadas e muitas vezes reparadas (modificadas, refeitas) no silêncio da meditação, que eu formei a primeira edição do Livro dos Espíritos, o qual apareceu a 18 de abril de 1857”; concluo pela tese da autoria, muito embora, em diversas outras ocasiões Kardec atribua a composição da Doutrina aos Espíritos e não a si mesmo. Porque, “penso que não importa se as fontes de uma pesquisa sejam os Espíritos ou um pensador “de carne e osso”; se alguém compila, classifica, modifica, edita, interpreta suas fontes, ele é o autor”.

Desta conclusão, um natural questionamento pode surgir para aqueles que, minimamente, conhecem a obra kardeciana: se concordarmos que Kardec é o autor da “doutrina dos Espíritos”, isso não significaria que ele mentiu atribuindo aos Espíritos um trabalho que foi apenas dele? Provavelmente todos os leitores de sua obra conhecemos as diversas passagens nas quais nosso autor afirma categoricamente que a doutrina espírita não é obra de um homem, mas do conjunto do ensino concordante dos Espíritos. Ou quando, em A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Kardec faz uma distinção entre o que é “segundo o Espiritismo” – o que equivale a dizer: segundo o ensino dos Espíritos – e suas opiniões pessoais apresentadas apenas como hipóteses. Ou ainda, as passagens nas quais descreve sua metodologia de pesquisa – em A Gênese e em A minha primeira iniciação no Espiritismo (no volume das Obras Póstumas) como isenta de pré-juízos ou “teorias preconcebidas”. Como então, insistir nessa tese de que Kardec é o autor?! E, nesse caso, essa “mentira” não causaria uma diminuição no grau de confiabilidade que os espíritas podem ter na obra kardeciana e no próprio Kardec?

Honestamente, eu penso que não: afirmar, contradizendo Kardec, que ele é o autor da doutrina que atribui aos Espíritos, não é o mesmo que afirmar que Kardec mentiu. Em primeiro lugar porque a mentira pressuporia que Kardec, deliberadamente, tenta enganar seus leitores. E não penso que isso tenha acontecido. Tampouco defendo que Kardec tenha declinado da autoria em favor dos Espíritos por “humildade”. Ao contrário, para mim o que marca essa decisão é uma forte consciência da importância do método como fator de fortalecimento da ideia de uma “ciência espírita”. De fato, Kardec declara:

Apliquei a esta nova ciência, como o fizera até então, o método experimental; nunca elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente, comparava, deduzia consequências; dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão.[2]

Tal consciência metodológica, fazendo, eco à pretensão iluminista da suspensão absoluta de todos os pressupostos e à autonomia radical da razão – que a tudo e todos pode avaliar e fazer conter em seus limites –  conferiria ao Espiritismo sua cientificidade. Kardec, filho de seu tempo, “[...] formado na tradição cultural do século XVIII [...]”, como bem recorda José Herculano Pires, “[…] compreendeu claramente que o problema de seu tempo repousava na questão do método [...]” [3]. Dessa maneira, a agenda iluminista, que o positivismo do século XIX assume como sua, e que tem como pressuposto que qualquer conhecimento só se torna válido quando baseado na ausência completa de pressupostos e expressão de uma racionalidade autônoma, tornou-se naturalmente a agenda do próprio Kardec.

Tal entendimento do método, contudo, é problemático não apenas porque não retrata o que acontece em todo fenômeno hermenêutico, mas porque, se fosse possível de ser alcançada seria indesejável. Neste ponto, apenas faço eco às palavras de Marco Antonio Casanova que afirma em sua apresentação ao pensamento de Hans-Georg Gadamer (1900-2002):

A suspensão de nossos pressupostos significaria propriamente uma dissolução de toda orientação prévia e de toda expectativa de sentido em relação ao que se deveria interpretar. Sem tal orientação e tal expectativa, porém, não teríamos nem mesmo como nos aproximar do que deveria ser interpretado, uma vez que é essa orientação e essa expectativa que conduzem a aproximação. Do mesmo modo, não há como imaginar a interpretação como um processo que se constrói paulatinamente do zero e vai ascendendo a um campo de sentido determinado por meio de cada um de seus passos. Se já não lêssemos um texto, por exemplo, guiados por uma expectativa de sentido específica, jamais poderíamos reunir as diversas palavras do texto com vistas a esse sentido, de tal modo que a leitura permaneceria presa a uma pluralidade de frases desconexas.[4]

Assim, se as coisas tivessem se passado com Kardec tal como ele descreve; se, no processo de construção da doutrina espírita, ele não possuísse qualquer ideia prévia do que poderia encontrar nos fenômenos e nas comunicações com que trabalhava, todo seu trabalho seria infrutífero. De fato, o problema não se encontra em possuir ou não pressupostos ao se interpretar textos, mas na expectativa ingênua de que tais pressupostos sejam sempre confirmados.

Por isso, ao apresentar como exemplo do método empírico aplicado à construção da doutrina, o princípio doutrinário segundo o qual há Espíritos comunicantes que acreditam não estarem mortos [5], Kardec não está indicando que trabalhou absolutamente sem pressupostos. Ao contrário, podemos encontrá-los em abundância: o pressuposto da existência de Espíritos; o da possibilidade de comunicação entre eles e os homens (encarnados); o de que é possível conhecer o que se dá após a morte através destas comunicações; o de que o método científico (positivo) pode ser aplicado às “coisas metafísicas”, etc. E, mesmo que se argumente (e se acredite) que tais pressupostos foram estabelecidos “cientificamente” por Kardec; ainda sim são pressupostos sem os quais afirmar que no mundo dos Espíritos há Espíritos que acreditam ainda estarem vivos, não faria qualquer sentido.

Mesmo a existência e comunicabilidade dos Espíritos – princípio básico da doutrina espírita, estabelecido, segundo Kardec, a partir da análise das manifestações físicas e pela demonstração de sua causa inteligente – não foram encaradas por Kardec a partir de uma ausência completa de pressupostos. Leia-se nos primeiros parágrafos do ensaio autobiográfico A minha primeira iniciação no Espiritismo, publicado no volume das Obras Póstumas, a descrição de como Kardec recebe a notícia das mesas girantes. O “ceticismo” inicial, como ele gosta de descrever, não representa ausência de pressupostos. Antes, representa um preconceito bem caracterizado, calcado numa compreensão dos fenômenos à luz da teoria do magnetismo animal.

Igualmente, ao se defender da acusação de que ao ensinarem a teoria da reencarnação os Espíritos estariam tão somente atendendo à sua expectativa de sentido no que toca ao problema da preexistência da alma e sua destinação, Kardec explica:

Quando a doutrina da reencarnação nos foi ensinada pelos Espíritos, estava tão distante do nosso pensamento que, sobre os antecedentes da alma havíamos construído um sistema completamente diferente, partilhado, aliás, por muitas pessoas. Sob esse aspecto, portanto, a Doutrina dos Espíritos nos surpreendeu profundamente; diremos mais: contrariou-nos, porquanto derrubou as nossas próprias ideias. Como se pode ver, estava longe de refletí-las. Mas isso não é tudo: nós não cedemos ao primeiro choque; combatemos, defendemos nossa opinião, levantamos objeções e só nos rendemos à evidência quando percebemos a insuficiência de nosso sistema para resolver todas as dificuldades levantadas pela questão.[6]

O que tais exemplos tornam patente? Que, ao contrário do que afirma, Kardec possuía sim, pressupostos e expectativas de sentido no momento da formulação da doutrina. Como disse anteriormente, defendo a tese de que Kardec é o intérprete de fontes de informação diversas, muitas vezes fragmentárias, que se fossem simplesmente colocadas lado a lado, não formariam um todo coerente. E, como afirma Casanova:

Nenhuma interpretação se movimenta para além de um espaço previamente aberto pela compreensão. Esse espaço não é um espaço restrito qualquer, mas aponta muito mais para uma totalidade que determina de maneira integral todas as possibilidades interpretativas subsequentes. A compreensão realiza, em outras palavras, incessantemente o projeto de um horizonte globalizante, que funciona como campo de sentido prévio. No interior desse campo, uma série de coisas se mostram como possíveis, outras como impossíveis, enquanto outras não chegam nem mesmo a vir à tona segundo a chave do possível e do impossível. A interpretação atualiza, então, aquilo que a compreensão abre como possível e retém por meio disso a articulação originária com o horizonte compreensivo. Nessa atualização, porém, a interpretação conta ainda com um conjunto de estruturas prévias (preconceitos no sentido mais próprio do termo) que promovem a performance interpretativa mesma. Nesse movimento, contudo, o intérprete não se vê condenado a seus preconceitos. O que caracteriza o acontecimento hermenêutico é muito mais uma revisão incessante da expectativa de sentido e do esboço de totalidade inicialmente projetadas. [7]

Os exemplos demonstram, portanto, que Kardec, o intérprete, “não se vê condenado a seus preconceitos”. Ao contrário, frente ao(s) texto(s) das comunicações a ser(em) interpretado(s), realiza uma revisão – não sem antes defender seu ponto de vista peculiar – “da expectativa de sentido e do esboço de totalidade inicialmente projetados”, numa autêntica “performance hermenêutica” que lhe assegura o epíteto de autor da “doutrina dos espíritos”.

À guisa de conclusão

Como vimos, “o que caracteriza o acontecimento hermenêutico é muito mais uma revisão incessante da expectativa de sentido e do esboço de totalidade inicialmente projetadas”. E, a partir de exemplos retirados da obra kardeciana concluí pela posição de Kardec como intérprete do ensino dos Espíritos, e consequentemente, autor da doutrina espírita, uma vez que deste ensino fragmentário a doutrina não surge naturalmente. Num caso como este, o intérprete torna-se autor, pois, não é o mero reprodutor de suas fontes. Ao contrário, envolve-se num processo criativo a partir do qual a interpretação é ordenada segundo procedimentos de controle e auto-controle oriundos do próprio material a ser interpretado. É algo como se houvesse um “princípio popperiano” da interpretação, a partir do qual nem toda expectativa de sentido projetada pelo intérprete é possível de ser confirmada [8]. Chamo a isso “a materialidade do texto”, já que no texto-fonte encontra-se o limite “material” a partir do qual toda e qualquer interpretação possível é construída [9].

Kardec reconhece a “materialidade” de suas fontes. Em A minha iniciação no espiritismo, ao relatar o processo que deu origem à primeira edição de Le Livre des Esprits, afirma que as comunicações permitiram “provar” a existência do mundo espiritual, bem como conhecer sua constituição e seus costumes, num processo semelhante ao que poderia chamar-se de uma “etnografia do mundo dos espíritos”. Pois, segundo descrição do próprio Kardec, cada Espírito se convertera, em razão de sua posição pessoal e de seus conhecimentos, em uma fonte de informação; exatamente como se chega a conhecer um país ao se interrogar seus habitantes de todas as classes e de todas as condições. Cada um informando-nos de alguma peculiaridade; mas, nenhum deles, individualmente sendo capaz de informar-nos tudo o que é preciso saber; cabendo, portanto, ao observador formar uma visão de conjunto, a partir dos documentos recolhidos por meio dos diversos testemunhos, cotejando-os, coordenando-os e os controlando uns por meio dos outros [10]. Em outras palavras: ao observador cabe eliminar possíveis divergências e contradições em meio à diversidade de relatos disponíveis. A Kardec coube este papel de tentar sanar tais discrepâncias e gerar uma concordância de fundo, mais que de forma (como ele mesmo gostava de afirmar), e retirar daí uma doutrina que se pretende filosófica (racional). Então, parece-me natural, afirmar que Kardec tenha, neste processo, se convertido no autor da doutrina.

Mas, pode-se perguntar: mesmo diante da negativa explícita, tantas vezes repetida por Kardec de que ele não é o autor da doutrina? Sim, mesmo diante de tais assertivas creio ser necessário reafirmar a tese da autoria. Já que negar tal tese seria, a meu ver, defender que a doutrina espírita tenha sido “ditada inteira” pelas fontes de informação das quais Kardec dispunha. O que contraria sua própria compreensão da dinâmica da “revelação espírita” dada a conhecer no primeiro capítulo de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo (1868). Neste, que é o último de seus grandes tratados doutrinários, Kardec define assim o duplo caráter da revelação espírita:

Por sua natureza a revelação espírita tem duplo caráter: participa ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica. Participa da primeira, porque foi providencial seu aparecimento e não o resultado da iniciativa, nem de um desejo premeditado do homem: porque os pontos fundamentais da doutrina provêm do ensino que deram os Espíritos encarregados por Deus de esclarecer os homens sobre as coisas que eles ignoravam, que não podiam aprender por si mesmos e que lhe importa conhecerem, já que hoje estão aptos a compreendê-las. Participa da segunda, por não ser esse ensino privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a todos do mesmo modo; por não serem os que os que o transmitem e os que o recebem seres passivos, dispensados do trabalho da observação e da pesquisa; por não renunciarem ao raciocínio e ao livre-arbítrio; porque não lhes é interdito o exame, mas ao contrário, recomendado; enfim, porque a Doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as consequências e aplicações. Em suma, o que caracteriza a revelação espírita é o fato de ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem.[11]

Assim, indo além das constantes negativas – e poderia citar aqui várias vezes em que recusa ser considerado autor da doutrina ou fundador do Espiritismo – Kardec parece desenvolver  uma crescente consciência de sua autoria em detrimento da transcendentalidade da doutrina. Por exemplo, se tomarmos a folha de rosto da primeira edição de O Livro dos Espíritos (1857), poderemos ver que ali aparece a seguinte descrição da obra: “Écrit sous la dictée et publié par l’ordre d’Esprits Supérieurs” (Escrito sob o ditado e publicado por ordem de Espíritos Superiores). Nas edições seguintes essa descrição é substituída por: “Selon l’enseignement donné par les Esprits supérieurs à l’aide de divers médiums. Recueillis et mis en ordre par Allan Kardec” (Segundo o ensinamento dado pelos Espíritos superiores através de diversos médiuns. Recolhidos e postos em ordem por Allan Kardec). Ora, uma doutrina “ditada” por alguém difere muitíssimo de uma doutrina “segundo os ensinamentos” de alguém.

O que desejo demonstrar com este exemplo é que, entre 1857 e 1868 a compreensão de Kardec sobre o tema  se modificou. De uma doutrina “ditada”, e portanto, literalmente dos Espíritos; para uma crescente tomada de consciência do papel do “homem” em sua elaboração. Um papel fundamental já que os ensinamentos que lhe servem de fonte – dados, segundo Kardec, por Espíritos – precisam ser recolhidos e postos em ordem (comparados e fundidos; classificados e muitas vezes modificados, reparados, etc. como vimos em ‘Allan Kardec: o autor da doutrina dos espíritos?’) . Um indicativo de que, em seu estado bruto, tais ensinamentos são insuficientes – seja por sua diversidade, seja por suas ambiguidades ou divergências explícitas - para formar doutrina (um sistema coeso) de caráter filosófico (racional).

Em minha opinião, tal consciência apenas não se torna explícita declaração de autoria devido ao conflito existente entre cumprir a agenda metodológica iluminista-positivista que garantiria ao espiritismo seu caráter científico; e o risco de transformar essa doutrina em apenas um “sistema pessoal de ideias” sem qualquer autoridade.

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[1] KARDEC, Allan. A minha iniciação no espiritismo. In: ______. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2009. P. 353. (Trad.: Evandro Noleto Bezerra). O texto original em francês é: "C'est de la comparaison et de la fusion de toutes ces réponses coordonnées, classées et maintes fois remaniées dans le silence de la méditation, que je formai la première édition du Livre des Esprits qui parut le 18 avril 1857". (Cf.: KARDEC, Allan. Ma première initiation au espiritisme. In: ______. Oeuvres Posthumes.Union Spirite Française et Francophone. s/d. p. 128).

[2] KARDEC, Allan. A minha iniciação no espiritismo. op.cit. p. 299.

[3] PIRES, José Herculano. A Pedra e o Joio. São Paulo: Edições Cairbar, 1975. p. 18.

[4] CASANOVA, Marco Antonio. Apresentação à edição brasileira. In: GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica da Obra de Arte. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. XI.

[5] KARDEC, Allan. A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2009. p. 30. (Tradução: Evandro Noleto Bezerra)

[6] KARDEC, Allan. Da Pluralidade das Existências Corpóreas. In: ______. Revista Espírita. Jornal de Estudos Psicológicos. Ano Primeiro – 1858. Novembro. N. 11. Rio de Janeiro: FEB, 2007. p. 446-447. (Tradução: Evandro Noleto Bezerra)

[7] CASANOVA, op.cit., p. XII. O negrito é meu.

[8] O filósofo italiano Umberto Eco fala da intentio operis (a intenção do texto, da obra) que serviria como este “princípio popperiano” para distinguir entre uma boa e uma má interpretação. (Cf.: ECO, Umberto. Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Ou ainda: ______. Os limites da interpretação. São Paulo: Editora Perspectiva, 1995).

[9] É desnecessário dizer que essa “materialidade do texto” é uma metáfora para a imposição de limites de sentido dados pelo texto a partir dos quais algumas interpretações tornam-se possíveis e outras impossíveis.

[10] Cf.: KARDEC, Allan. A minha iniciação no espiritismo. In: ______. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2009. p. 350-351. (Trad.: Evandro Noleto Bezerra).

[11] KARDEC, Allan. A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2009. p. 28-29. (Trad.: Evandro Noleto Bezerra). O negrito é meu.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Novas reflexões de um Agnóstico

Há sempre quem se incomode quando alguém se declara agnóstico. Eu recebi algumas manifestações nesse sentido quando da publicação do ensaio 'Reflexões de um Agnóstico'. Para uns esse personagem ambíguo é alguém que não teve coragem suficiente para se declarar ateu. Para outros, um religioso moderado ou alguém indeciso, sem personalidade. O que apenas poucos percebem é que, quando uma pessoa chega a se declarar agnóstico ela não está tomada de uma dúvida atroz, implorando a outros que a convençam por um ou outro lado. De fato, uma decisão já foi tomada, e esta é: como não sei nada sobre a existência ou inexistência de deus/deuses, deixarei a questão em aberto.

Essa é, a meu ver, uma postura adequada do ponto de vista intelectual. Nada tem a ver com fé ou ausência de fé, portanto. Não é crença ou ausência dela. Tão somente, por não haver evidências conclusivas, prefere-se aguardar. Não sendo, neste caso, uma resposta algo de urgente, o agnóstico prefere aguardar.

Mas, muitos seguem não acreditando que tal posicionamento seja possível. Dias atrás, em uma conversa, comparei a situação do agnóstico àquela dos que se declaram bissexuais: ninguém se convence de sua existência, exceto ele mesmo. E fui mal compreendido. No entanto, gostaria de repetir aqui a analogia. Obviamente não estou afirmando que, assim como os agnósticos, os bissexuais tomam uma posição sobre sua sexualidade. Sabemos que no campo das sexualidades não há, a rigor, escolhas. Exceto, talvez, no sentido de manifestar publicamente sobre seu desejo. No entanto, assim como os agnósticos, bissexuais são vítimas do preconceito que os acusa de ambiguidade, de estarem passando apenas por uma fase, de mentirem, etc.

Por que isso acontece? Minha opinião é que, em geral, toda aparente ambiguidade de uns e outros assusta. Para aqueles que, ao longo de suas vidas criaram suas identidades de gênero em função de uma sexualidade homo ou heteroafetiva, parece ser difícil compreender que haja uma identidade bissexual. O mesmo ocorre, no campo das crenças, em relação ao agnóstico. Teístas e ateístas (sim, pois o ateísmo é ainda uma crença), com suas identidades definidas a partir da decisão de crer ou não em deus/deuses, em geral, não conseguem (ou não se esforçam) por compreender que alguém não se sinta pressionado a tomar uma posição, naquilo que consideram uma guerra.

Foi dessa situação que tratou o ensaio em questão. E fez isso a partir de um caso concreto. Muitos não perceberam – por exclusiva responsabilidade do autor – que o texto era uma crítica às certezas infundadas que projetam suas ‘sombras’  por todos os lados. Em nosso exemplo, um líder religioso que, atribuindo à simples declaração de ateísmo por uma personalidade pública um grau de responsabilidade desproporcional à manifestação de uma opinião pessoal, elogia e se identifica com uma declaração feita por Jung. O texto gostaria de assinalar, portanto, que maior é a responsabilidade daquele que não apenas declara seu posicionamento pessoal, mas afirma: “Eu não acredito em deus, eu sei que ele existe”. O mesmo valendo para aqueles que pensam ter razões suficientes para declarar que são ateus porque ‘sabem’ da inexistência de deus/deuses. E repito aqui a pergunta que lá se colocava: Como alguém poderia ter essa certeza?

A resposta, para mim, é simples: não se pode ter certeza. E, em sendo assim, melhor calar.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Os sinos, São Francisco e a terra natal

Todo ano é assim: vai chegando o mês de outubro, com a proximidade da Festa de São Francisco de Assis, começam a montar o parque de diversões na minha rua. Nos dias da novena, os sinos da Igreja do Convento tocam antes das missas, chamando os devotos. Até parece que estou nas ‘Minhas’ Gerais!

O meu texto 'Reflexões de um Agnóstico' alcançou alguma repercussão. E muita gente ficou acreditando que parte de minha declaração de agnosticismo poderia estar relacionada a alguma decepção ou algum problema mal resolvido frente à religião. E, outro dia, um amigo classificou-me de “teofóbico” já que, segundo ele, eu sempre reagiria de forma negativa frente a seus posicionamentos teológicos.

Nada, porém, anda mais distante da verdade. Aqueles que conhecem minha história de vida sabem que, em grande parte, ela foi marcada pela busca da compreensão da religião. Primeiro como adepto de alguns movimentos religiosos. Depois pelas vias da Filosofia e da Ciência da Religião. Como religioso acumulei alguma experiência: nascido em família católica, no interior das Minas Gerais, fui coroinha, catequista e seminarista franciscano. Desejei ser monge e eremita. Flertei com o cristianismo protestante, com o espiritismo e o budismo. Li o ‘Corão’ antes que falar de fundamentalismo islâmico fosse moda. Estudei o judaísmo. E, nos últimos anos, fui ligado ao gaudiya vaisnavismo [popularmente conhecido como movimento Hare Krsna].

Em todas essas experiências – como aliás, em todas as experiências humanas – houve aspectos positivos e aspectos negativos. Esses últimos, na maioria das vezes, ligados às instituições e às disputas internas por poder e prestígio por lideranças que frequentemente se esquecem dos ideais que deveriam exemplificar com a própria vida. De resto, meu trânsito religioso aproximou-me de pessoas maravilhosas das quais até hoje sou amigo e pelas quais nutro, muitas vezes às distância, afeto e respeito profundos. Além disso, grande parte do que sou hoje, minha sensibilidade estética, meu interesse pelo estudo e pela pesquisa, meu amor pelos livros e minha busca pela verdade, foi despertado e cultivado em minha convivência com pessoas e instituições religiosas. Desse modo, tenho mais memórias regadas a bons sentimentos que mágoas e revolta em relação ao fenômeno humano da religião.

Esses dias, muitas boas memórias têm aflorado em mim. Aqui na Campina Grande sou vizinho do Convento São Francisco de Assis, onde os franciscanos mantêm uma paróquia. E, como acontece todo ano, entre o final de Setembro e início de Outubro celebra-se a novena do padroeiro. E todos os dias, antes da missa das 19 horas, os sinos tocam por cerca de cinco minutos e despertam em mim o sagrado sob a forma de pura afeição e saudade. Não que, para mim, São Francisco seja mais santo que meu pai que lutou, junto à minha mãe, para educar a mim e meu irmão com ética e decência. Mas porque o som dos sinos e a festa franciscana reverberam em mim com o som de mil lembranças.

A infância nas Minas Gerais quando eu, coroinha aos nove ou dez anos de idade, na capela do bairro onde morávamos (e onde meus pais ainda hoje residem), me dediquei a aprender as “artes do altar” e com grande prazer tocava a velha sineta, enquanto contemplava o povo subindo a ladeira para começar a louvação. A adolescência no Convento, onde o sino nos convocava para todos os atos comunitários, da reza à refeição. E onde, todo dia 03 de Outubro, cantávamos o “trânsito de São Francisco” celebrando a vida e a morte do “pobrezinho de Assis”:

Em sua cabana, numa noite de outono, São Francisco morreu cantando… a voz que clama ao Senhor… o pobrezinho entregou sua alma: – “Que a nossa irmã, a morte, seja bem acolhida… como a gente acolhe o sono depois de um dia bem ocupado”… (Trecho da Liturgia do Trânsito de São Francisco de Assis)

É por isso que, para mim, o som dos sinos têm um encanto especial: eles recordam-me a terra natal, o coração das ‘Minhas’ Gerais. Mas, não apenas isso. Os sinos remetem-me ao que de mais essencial há em mim. Eles recolhem a minha história, minha memória e mostram-me inteiro, íntegro. Recordam-me a matéria da qual sou feito e os sonhos que ainda vivem em mim.

Sim, eu sou agnóstico, mas meu agnosticismo não nasce da mágoa ou se alimenta do ressentimento que querem me atribuir. Sou um pouco maior que isso…