Livro

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Comunicado

architecture1

Caros amigos e leitores:

Com um susto dei-me conta que já estamos nos ‘finalmentes’ de 2011. O ‘Scientia Religionis’ está no ar há quatro meses, com publicações semanais, e vocês me têm dado uma excelente resposta. Muito obrigado!

Com a proximidade do final do ano, encerramento de atividades acadêmicas, prazos apertados e outros compromissos surgidos de última hora, resolvi que as publicações ficarão suspensas até meados de Janeiro de 2012. Uma espécie de “recesso de final de ano”. Não serão férias, ainda, por que estarei cuidando de assuntos relacionados à tese de doutoramento (ano que vem será a defesa) e a um concurso para professor no qual sou candidato (torçam por mim!).

Para o próximo ano teremos novidades aqui no blog, aguardem!

Aproveito, contudo, esse momento para desejar-lhes um excelente final de ano!  Espero revê-los por aqui em 2012.

Um grande abraço:

Augusto Araujo

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ainda sobre o Agnosticismo

Sir_Thomas_Henry_Huxley

Um texto de Thomas Henry Huxley *

É importante notar que o princípio do naturalismo científico da segunda metade do século XIX, que coroou o movimento intelectual da Renascença e foi primeiro formulado por Descartes, não leva à negação da existência de qualquer sobrenatureza, mas simplesmente à negação da validade da evidência aduzida em favor desta ou daquela forma existente de sobrenaturalismo.

Examinando o problema a partir do mais rígido ponto de vista  científico, a admissão de que, em meio à miríade de mundos espalhados pelo espaço infinito, não possa haver inteligência maior que a do homem, da mesma forma que a dele é maior do que a de uma barata; de que não há um ser dotado de poderes de influenciar o curso da natureza tão superiores aos do homem quanto são os do homem em relação a uma lesma, parece-me tão sem fundamento quanto impertinente. Sem ultrapassar a analogia com o que é conhecido, é fácil povoar o cosmo com entidades em escala ascendente, até atingirmos algo praticamente indistinguível da onipotência, onipresença e onisciência. Se nossa inteligência pode, em alguns assuntos, reproduzir indubitavelmente o passado de milhares de anos atrás e antecipar o futuro em milhares de anos adiante, está evidentemente dentro dos  limites do possível que alguma inteligência superior, mesmo que de ordem semelhante, seja capaz de retratar todo o passado e a totalidade do futuro; se o Universo é preenchido por um meio tal que uma agulha magnética na Terra responda a uma comoção no Sol, um agente onipresente é também concebível. Se nosso conhecimento insignificante nos permite alguma influência sobre os eventos, a onisciência prática pode conferir poder indefinivelmente maior. Por fim, se a evidência de que algo pode existir fosse equivalente à prova de que ele existe, a analogia bem poderia justificar a construção de uma teologia e demonologia naturalistas não menos maravilhosas do que a corrente sobrenatural, bem como a povoar Marte e Júpiter com formas de vida sem paralelo com as presentes na biologia terrestre. Até que a vida humana seja mais longa e que os deveres da imprensa atual sejam menos prementes, não creio que homens sábios ocupar-se-ão com a história natural joviana ou marciana; e eles provavelmente concordarão com o veredicto de “não comprovado" com respeito à teologia naturalista, resguardando-se na confissão agnóstica que, para mim, surge como a única posição possível para pessoas que se recusam a dizer que sabem aquilo que estão bem cientes de que não sabem. Em relação aos interesses da moralidade, inclino-me a pensar que, se a humanidade pudesse ser levada a comportar-se conforme esse último princípio em todas as relações da vida, uma reforma sem precedentes seria efetivada, uma aproximação do milênio que nenhuma religião sobrenaturalista jamais logrou alcançar ou parece capaz de algum dia atingir.

* HUXLEY, T. H. O Natural e o Sobrenatural. In: ______. Escritos sobre ciência e religião. São Paulo: Editora UNESP, 2009. p. 107-109.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O Prefácio ‘quase-esquecido’ da primeira edição de “Le Ciel et L’Enfer selon le Spiritisme” (1865)

 

C&I

Introdução

Em 1865, quando Allan Kardec (1804-1869) publicou o livro Le Ciel et l’Enfer ou la Justice Divine selon le Spiritisme (“O Céu e o Inferno ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo”), o fez preceder de um Préface no qual, dentre outras coisas, propõe uma revisão de algumas de suas obras e apresenta o novo livro como continuidade de seu labor de desenvolvimento da doutrina espírita.[1]

Curiosamente, no entanto, este Préface parece ter sido esquecido pelos tradutores brasileiros da obra kardeciana. Esquecimento que só não foi total, visto que o público brasileiro dispunha de duas traduções parciais deste texto. Ambas, presentes nas traduções de Salvador Gentile e de Evandro Noleto Bezerra à Revue Spirite. No número de setembro de 1865, Kardec publicou um excerto do Prefácio na seção “Notas Bibliográficas”.[2]

Recentemente (2009), no entanto, foi publicada pela Federação Espírita Brasileira (FEB), uma nova tradução de O Céu e o Inferno (feita por Evandro Noleto Bezerra), a qual reintegra o Prefácio a seu lugar de direito. Em nota o tradutor explica que:

Este “Prefácio” não fazia parte da 4ª edição francesa de O Céu e o Inferno – edição definitiva – que serviu de base para esta tradução. Apareceu, na 1ª edição, publicada em agosto de 1865. Ao inseri-lo aqui, tivemos em vista resgatar para as novas gerações estes escritos quase desconhecidos do Codificador do Espiritismo e oferecê-los aos estudiosos da Doutrina Espírita.[3]

Desconheço se Kardec teria retirado o Préface apenas nesta última edição por ele revista (4ª edição de 1869), ou se já o fizera nas edições anteriores. A nota acima não oferece qualquer indicação a respeito. Igualmente desconheço os motivos pelos quais Kardec teria feito isso. No entanto, parece-me claro, os tradutores brasileiros se “esqueceram” do Préface de 1865 por que basearam suas traduções na edição de 1869.

Outro fato curioso envolvendo a obra em questão é que esta 4ª edição, assumida como definitiva, só veio a lume a 1º de Julho de 1869. Três meses, portanto, após a morte de Allan Kardec. Florentino Barrera, em seu livro Resumo Analítico das Obras de Allan Kardec [4], afirma que esta edição estabelece o texto definitivo da obra uma vez que teria sido revista pelo próprio Kardec. Informação corroborada pela Revue Spirite (Jul/1969) que a anunciou, seguida da observação:

A parte doutrinária desta nova edição, inteiramente revista e corrigida por Allan Kardec, sofreu importantes modificações. Alguns capítulos foram inteiramente refundidos e consideravelmente aumentados.[5]

Instigado pelo que acreditava fosse uma lacuna histórica, e, portanto, sem conhecimento do trabalho de Evandro Noleto Bezerra, empreendi minha própria tradução do texto. Empreitada assumida com o apoio do amigo Vital Cruvinel (um dos editores do blog Decodificando O Livro dos Espíritos e de quem é a revisão da tradução). Nossa ideia original era a de enviar a tradução para publicação em algum periódico interessado. No entanto, diante da realidade desta outra iniciativa, desistimos temporariamente da ideia.

Como tradutor, meu empenho foi de evitar tanto o literalismo simplista, que ignora as distâncias linguísticas e temporais entre o texto original e o esforço de tradução; quanto uma abordagem mais livre que pudesse desvirtuar o sentido original que o autor quis impingir a sua obra, ou que pudesse abrir espaço para interpretações dúbias de sua mensagem.

Depois de concluída a tradução e sua revisão, e tão logo tomamos conhecimento do trabalho realizado por Evandro Noleto Bezerra, tivemos o cuidado de cotejar as traduções em busca de possíveis equívocos de compreensão de nossa parte. E, de minha parte, fiquei satisfeito em constatar a proximidade bem como a distância pelas opções linguísticas e estilísticas assumidas. O que poderá ser facilmente percebido pelo leitor num breve exercício comparativo. Visando possibilitar tal comparação, bem como contribuir com o avanço dos estudos da obra kardeciana no Brasil, decidi, com a anuência de Vital Cruvinel, tornar público este modesto empreendimento conjunto.

A tradução:

Prefácio da Primeira Edição de Le Ciel et l’Enfer (1865).[6]

O título desta obra indica claramente o seu objeto. Aqui reunimos todos os elementos próprios para esclarecer o homem acerca de seu destino. Como em nossos escritos anteriores sobre a doutrina espírita, não se parte aqui de um sistema preconcebido ou de uma concepção pessoal, a qual não gozaria de qualquer autoridade. Tudo foi deduzido a partir da observação e da concordância dos fatos.

O Livro dos Espíritos contém as bases fundamentais do espiritismo; é a pedra angular do edifício. Todos os princípios da doutrina nele se encontram colocados, até aqueles que devem constituir o seu coroamento. Mas, era necessário dar-lhes desenvolvimentos, deduzir-lhes todas as consequências e todas as aplicações, à medida que se desenvolviam por meio do ensino complementar dos Espíritos, e de novas observações. Foi o que fizemos no Livro dos Médiuns e no Evangelho segundo o espiritismo a partir de pontos de vista específicos. É o que fazemos nesta obra, segundo outra perspectiva, e é o que faremos sucessivamente naquelas obras que ainda publicaremos e que virão a seu tempo.

Ideias novas não frutificam senão quando a terra está preparada para recebê-las. Ora, entende-se que a terra está preparada não pelo surgimento de algumas inteligências precoces, as quais dariam apenas frutos isolados, mas por certo conjunto na predisposição geral, a fim de que não somente a ideia produza frutos mais abundantes, mas que, encontrando numerosos pontos de apoio, encontre igualmente menos oposição, e seja mais forte para resistir a seus antagonistas. O Evangelho segundo o espiritismo representou um avanço; o Céu e o Inferno é um avanço ainda maior cujo alcance será facilmente compreendido, posto que toca o essencial de certas questões, contudo, não deveria ter aparecido prematuramente.

Considerando-se a época do advento do espiritismo, reconhece-se sem dúvida alguma que este apareceu no tempo oportuno: nem cedo, nem tarde. Muito cedo, ele teria abortado, por que as simpatias não seriam muito numerosas. Teria sucumbido sob os golpes de seus adversários. Muito tarde, teria perdido a ocasião favorável de se produzir; as ideias poderiam ter tomado outro curso, do qual teria sido difícil desviá-las. Era, pois, necessário deixar às velhas ideias o tempo de se gastar e de provar sua insuficiência, antes de apresentar as novas.

As ideias prematuras abortam porque não se está maduro para compreendê-las, e a necessidade de uma mudança de posição não se fez ainda sentir. Hoje é evidente para todo o mundo que um imenso movimento se manifesta na opinião geral; uma reação formidável se opera no sentido progressivo contra o espírito estacionário ou retrógrado da rotina. Os satisfeitos de ontem são os impacientes de amanhã. A humanidade se encontra em trabalho de parto; há no ar qualquer coisa, uma força irresistível que a arrasta adiante; ela é como um jovem saído da adolescência que entrevê novos horizontes sem os definir, e lança fora as fraldas da infância. Deseja-se algo melhor, alimentos mais sólidos para a razão. Contudo, este melhor não está ainda bem definido, procura-se-o. Todo o mundo nisto trabalha, desde o crente até o incrédulo; desde o trabalhador até o sábio. O universo é um vasto canteiro de obras no qual uns demolem, outros reconstroem. Cada um talha uma pedra para o novo edifício do qual apenas o grande Arquiteto possui o plano definitivo, e do qual não se compreenderá a economia senão quando suas formas começarem a se desenhar sobre a face do solo. Tal é o momento que a soberana sabedoria escolheu para o advento do espiritismo.

Os Espíritos que presidem ao grande movimento regenerador agem, pois, com maior sabedoria e previdência do que podem fazê-lo os homens, posto que eles apreendem a marcha geral dos acontecimentos, enquanto nós não contemplamos senão o círculo limitado de nosso horizonte. Os tempos da renovação chegaram, segundo os decretos divinos. Era preciso que em meio às velhas ruínas do velho edifício, o homem, a fim de não se desencorajar, entrevisse os alicerces da nova ordem de coisas; era preciso que o marinheiro pudesse perceber a estrela polar que o deve guiar até o porto.

A sabedoria dos Espíritos que se mostrou no advento do espiritismo, revelado quase instantaneamente por toda a terra, à época mais propícia, não é menos evidente na ordem e na gradação lógicas das revelações complementares sucessivas. Não depende de ninguém constranger sua vontade a este respeito, pois eles não medem seus ensinamentos pelo grau de impaciência dos homens. Não basta que digamos: “Queremos ter tal coisa”, para que ela nos seja dada; e é ainda menos conveniente que digamos a Deus: “Julgamos que chegou o momento para que nos dê tal coisa; nos julgamos avançados o suficiente para recebê-la”; isto seria como lhe dizer: “Sabemos melhor que você o que é conveniente fazer”. Aos impacientes, os Espíritos respondem: “Comecem primeiramente por bem saber, bem compreender, e, sobretudo, por bem praticar aquilo que vocês sabem, a fim de que Deus os julgue dignos de aprender mais; depois, quando chegar o momento, saberemos agir e escolheremos nossos instrumentos”.

A primeira parte desta obra, intitulada Doutrina, contém o exame comparado das diversas crenças sobre o céu e o inferno, os anjos e os demônios, as penas e as recompensas futuras. O dogma das penas eternas aqui é encarado de uma maneira especial, e refutado por meio de argumentos tirados das leis da natureza, e que demonstram, não apenas seu lado ilógico, já assinalado mil vezes, mas sua impossibilidade material. Naturalmente, com as penas eternas, caem todas as consequências que se acreditou delas poder tirar.

A segunda parte contém numerosos exemplos que sustentam a teoria, ou antes, que serviram para estabelecer a teoria. Eles haurem sua autoridade da diversidade de tempos e lugares nos quais foram obtidos, posto que se emanassem de fonte única, seria possível encará-los como o produto de uma mesma influência. Ademais, sua autoridade advém da concordância com a qual são obtidos todos os dias, onde quer que se ocupe das manifestações espíritas do ponto de vista sério e filosófico. Tais exemplos poderiam ser multiplicados ao infinito, pois não há centro espírita que não possa deles fornecer um notável contingente. Para evitar repetições fastidiosas, fizemos uma escolha dos mais instrutivos. Cada um desses exemplos é um estudo, no qual todas as palavras têm sua importância para todo aquele que as meditar com atenção, pois cada ponto lança uma luz sobre a situação da alma após a morte, e a passagem da vida corporal à vida espiritual até este momento tão obscura e temida. É o guia do viajante antes de entrar em um novo país. A vida do além-túmulo se apresenta sob todos os seus aspectos, como um vasto panorama; cada um aí encontrará novos motivos de esperança e consolação, bem como novas bases para reafirmar sua fé no porvir e na justiça de Deus.

Nesses exemplos, tomados em sua maioria de fatos contemporâneos, ocultamos os nomes próprios todas as vezes que julgamos útil, por motivos de conveniência fáceis de compreender. Aqueles a quem tais exemplos possam interessar os reconhecerão facilmente; para o público, nomes mais ou menos conhecidos, e algumas vezes muito obscuros, não acrescentariam nada às instruções que deles se pode retirar.

As mesmas razões que nos fizeram calar os nomes dos médiuns no Evangelho segundo o espiritismo levaram a nos abster de nomeá-los na presente obra, escrita mais para o futuro que para o presente. Tais médiuns não estão nada interessados em atribuir-se o mérito por uma coisa à qual seu espírito não teve qualquer participação. A mediunidade, aliás, não se encontra submetida a tal ou tal indivíduo; é uma faculdade fugidia, subordinada à vontade dos Espíritos que querem se comunicar, a qual se possui hoje e que pode desaparecer amanhã, e que não é aplicável a todos os Espíritos sem distinção, e, por isso mesmo, não constitui um mérito pessoal como o seria um talento adquirido mediante o trabalho e os esforços da inteligência. Os médiuns sinceros, aqueles que compreendem a gravidade de sua missão, consideram-se como instrumentos que a vontade de Deus pode quebrar quando quiser, caso não ajam segundo seus interesses; eles ficam felizes com uma faculdade que lhes permite se tornarem úteis, mas não extraem daí qualquer vaidade. De resto, nos conformamos sobre este ponto aos conselhos de nossos guias espirituais.

A providência quis que a nova revelação não fosse privilégio de ninguém, mas que tivesse seus órgãos por toda a terra, em todas as famílias, em casa dos grandes como dos pequenos, segundo esta palavra da qual os médiuns de nossos dias são a realização: “Nos últimos tempos, diz o Senhor, derramarei meu Espírito sobre toda carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos jovens terão visões e vossos velhos sonharão. Nesses dias derramarei meu Espírito sobre meus servos e minhas servas, e eles profetizarão” (Atos, cap. II, v. 17,18).

Mas está dito também: “Haverá falsos Cristos e falsos profetas” (Ver o Evangelho segundo o espiritismo, cap. XXI).

Ora, esses últimos tempos chegaram; não é o fim do mundo material, como se tem acreditado, mas o fim do mundo moral, ou seja, a era da regeneração.


[1] Ao contrário do que aconteceu com as demais publicações de Allan Kardec, a obra O Céu e o Inferno parece não ter sido um sucesso de vendas. Se comparado com a opus magna de Kardec – Le Livre des Esprits – a qual apenas entre 1860 (ano da publicação da 2ª e definitiva edição) e 1863 somou 9 edições (10 se contarmos a edição de 1857); ou mesmo com o sucesso de La Génèse, les miracles et le predictions selon le spiritisme (A Gênese, os milagres e as predições segundo o espiritismo), que obteve três edições no mesmo ano de sua publicação (1868), com a diferença de apenas um mês entre elas; o penúltimo dos grandes tratados kardecianos teve desempenho bastante modesto. Segundo Florentino Barrera (2003, p. 71-78), a segunda edição de O Céu e o Inferno só veio a lume em 1868, três anos após seu lançamento, portanto. Ainda segundo Barrera, a 3ª edição data de 1868-1869; e 4ª edição 1869.

[2] KARDEC, Allan. Revista Espírita, Set/1865. Notas Bibliográficas. Rio de Janeiro: FEB, 2006. p. 377-382. (Trad. Evandro Noleto Bezerra).

[3] BEZERRA, Evandro Noleto. Nota do Tradutor. In: KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Ou a justiça divina segundo o espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2009. p.11.

[4] BARRERA, Florentino. Resumo Analítico das Obras de Allan Kardec. São Paulo: USE/Madras, 2003.

[5] KARDEC, Allan. Revista Espírita. Jul/1869. À Venda em 1º de Junho de 1869. Rio de Janeiro: FEB, 2005. p. 309-310. A rigor o artigo deve ter sido escrito por A. DESLIENS que, após a morte de Allan Kardec, tornou-se o secretário-gerente da Revista Espírita, cargo, na prática, equivalente ao de redator. Contudo, sigo aqui, ao fazer essa referência bibliográfica, o padrão indicado pelos dados fornecidos pela editora na ficha catalográfica do volume correspondente ao número XII da coleção da Revista Espírita.

[6] Referência: KARDEC, Allan. Préface. In: ______. Le Ciel et l’Enfer ou la Justice Divine selon le Spiritisme. Paris : Ledoyen, Dentu, Fréd. Henri, 1865. p. I-VIII. Tradução: Augusto César Dias de Araujo. Revisão: Vital Cruvinel.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Religião e Memória na obra de Allan Kardec

Algumas palavras: nas últimas semanas tenho re-publicado textos que cobrem minha pesquisa sobre Allan Kardec (1804-1869) e que foram ou publicados ou apresentados em Congressos ao longo do ano de 2010. O principal objetivo dessa re-publicação é  oferecer aos leitores do blog a possibilidade de verificarem o modo prático como tenho encarado o ofício do cientista da religião; além, é claro, de fazer novamente a divulgação desses textos. Tudo que um autor deseja é ser amplamente lido e debatido. E, mesmo reconhecendo as muitas limitações desses textos ora re-apresentados e sabendo, que no estágio atual de minha pesquisa, muitas daquelas opiniões neles defendidas precisem sofrer uma ampla revisão, creio que representam um ponto importante de minha reflexão recente.

 

Allan Kardec - Desmoulin

Resumo:

A análise crítica dos escritos de Kardec tem-nos mostrado que, com certeza, este autor desejava que a doutrina e o movimento por ele iniciados tivessem um alcance universal. No entanto, ao contrário desta aspiração, não se pode deixar de notar que não só Kardec funda uma nova religião, como a vincula de maneira irrevogável à tradição e à memória cristãs. Isso fica claro não apenas com a publicação, em 1864, de L’Évangile selon le Spiritisme. Mas, desde a Conclusion de Le Livre des Esprits (1860), quando vincula a nova doutrina ao conjunto dos dogmas católico-romanos, e lhe atribui o caráter de uma chave hermenêutica para a recondução destes dogmas a seu verdadeiro significado. O objetivo deste trabalho é analisar os elementos desta vinculação, discutindo como aquilo que se constitui como o projeto pessoal de Allan Kardec para o espiritismo se converte, ainda durante em sua vida,num movimento de recuperação da memória da religião cristã, principalmente católico-romana, dos “desvios doutrinários”a que teria sido submetida. Um processo que, a meu ver,culminará na cristalização de uma nova identidade para a doutrina dos espíritos, a de“cristianismo redivivo”.

Palavras-chave:

Espiritismo, Allan Kardec, Religião, Memória.

[Essa comunicação foi originalmente apresentada no III Simpósio Internacional de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP, 2010, Recife, e publicada integralmente nos Anais Eletrônicos. Recife : Fundação Antônio dos Santos Abranches, 2010. p. 1240-1252. Para acesso ao texto completo clique aqui].

terça-feira, 1 de novembro de 2011

O Espiritismo segundo Allan Kardec: um ‘médium’ para a tradição cristã

Allan_KardecX

Introdução:

O Espiritismo é uma religião. Ainda que pese a opinião de Allan Kardec (1804-1869), seu fundador, de que tal afirmação poderia “[...] dar uma ideia muito falsa, quer do Espiritismo em geral, quer em particular do caráter e do objetivo dos trabalhos da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas” [1] – o núcleo por ele fundado para o estudo e a pesquisa dos fenômenos e da doutrina espíritas –, parece-me impossível negar essa realidade. Não apenas pelo desenvolvimento histórico da nova doutrina e do movimento em torno dela articulado, ao implantar-se em terras brasileiras ainda no século XIX [2], mas de maneira marcante na própria obra kardeciana. Apesar de afirmar o caráter universal do Espiritismo e sua abertura a todo culto ou confissão religiosa [3], será frente à tradição cristã – suas fontes, seus dogmas, suas práticas – que Kardec e o Espiritismo nascente terão de se posicionar. E será a esta mesma tradição que a nova doutrina recorrerá em busca de legitimação para sua pretensão de se configurar como “traço de união” entre ciência e religião. [4]

Este trabalho dá continuidade a artigo anterior intitulado Identidade e Fronteiras do Espiritismo na obra de Allan Kardec [5], no qual proponho uma reflexão sobre o “[...] processo de formação identitária do Espiritismo – doutrina e movimento – a partir de seu discurso fundador presente na obra de Allan Kardec” [6], e trabalho com a relação entre “Espiritismo” e as três instâncias a que Kardec recorre a fim de legitimar seu discurso: ciência, filosofia e religião. O objetivo ali era demonstrar como, nesta interação, a identidade do Espiritismo se consolida ao estabelecer fronteiras, numa relação de relativa superioridade e de superação, frente a essas três instâncias, sem, no entanto, abrir mão do uso de sua linguagem e de suas fontes. Neste contexto, o conceito de Espiritismo se apresentaria como um conceito híbrido, o qual indicaria o caráter mediador da nova doutrina e do movimento articulado em seu entorno.[7]

No presente trabalho, pretendo retomar alguns elementos dessa reflexão prévia, aprofundando-os, ao analisar o modo como a identidade religiosa do Espiritismo (doutrina e movimento), é forjada na obra kardeciana em continuidade com a tradição cristã – principalmente na sua versão Católico-Romana – a partir da apropriação e releitura de suas fontes e de alguns elementos de sua dogmática. Para tanto, me aterei, sobretudo, a seus três últimos livros publicados – O Evangelho segundo o Espiritismo (1864); O Céu e o Inferno, ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo (1865); e, A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo (1868) – sem, contudo, excluir qualquer referência a suas demais publicações. Tais obras foram priorizadas porque será nelas que o autor se debruçará com maior acuidade sobre as questões das relações entre Espiritismo e Cristianismo. Nessa abordagem, a obra de Kardec é encarada como um discurso que postula, ao lado de outras coisas, garantir à doutrina espírita seu droit de cité frente aos sistemas e instituições de representação que não o próprio Espiritismo. Nesse caso específico, a religião cristã.

[Este trabalho foi originalmente apresentado no 23º Congresso Internacional da SOTER, 2010, Belo Horizonte, e publicado integralmente em: Anais do 23º Congresso Internacional da SOTER - Religiões e Paz Mundial - Grupos Temáticos. São Paulo : SOTER - Paulinas, 2010. p. 329-341. - ISBN: 978-85-356-2691-9. Para a leitura completa clique aqui].


[1] KARDEC, Allan. Refutação de um artigo do “Univers”. In: ______. Revista Espírita. Jornal de Estudos Psicológicos. Ano Segundo – 1859. Rio de Janeiro: FEB, 2007, p. 196.

[2] No meio acadêmico, entre os estudiosos do Espiritismo no Brasil, parece haver a tendência em contrapor o modelo brasileiro e o francês com base na distinção entre religiosidade e laicidade (Cf.: STOLL, Sandra Jacqueline. Espiritismo à Brasileira. São Paulo: EDUSP, 2003). Nos últimos anos têm ganhado expressão no seio do Movimento Espírita Brasileiro grupos ligados à Confederação Espírita Pan-americana (CEPA) que defendem o Espiritismo como ciência e filosofia de caráter laico (não-religioso).

[3] Cf.: KARDEC, Refutação de um artigo do “Univers”, op.cit., p. 205-206.

[4] Cf.: KARDEC, Allan. Aliança da Ciência e da Religião. In: ______. O Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2008. p. 60-61.

[5] Cf.: ARAUJO, Augusto. Identidade e Fronteiras do Espiritismo na obra de Allan Kardec. Horizonte, v. 8 n. 16, jan./mar. 2010.(Em Edição).

[6] ARAUJO, op. cit.

[7] A necessária limitação deste artigo não nos permitiu uma discussão mais ampla do termo hibridismo. Seria necessária uma extensa revisão da literatura referente ao tema, o que extrapola nossa possibilidade, no momento. Se, contudo, a origem do termo, na genética do século XIX, remete em sentido amplo a tudo que é composto por elementos diferentes, heteróclitos, disparatados; aqui ele assume o significado de uma tentativa de abrigar sob um mesmo conceito – o conceito de espiritismo na obra de Allan Kardec – três outros conceitos que aparentemente se colocam como antagônicos e irreconciliáveis, sem, no entanto, propor uma síntese que os nivele em importância ou significação. Conforme se verá, o conceito espiritismo em Kardec se apresenta como um conceito híbrido porque retira de suas relações com as representações correntes em seu tempo de ciência, filosofia e religião; e do uso e apropriação de suas linguagens específicas, uma fonte de autoridade e de suposta articulação desses saberes a partir de uma posição mais abrangente e superior.